quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

1948 (Continuação)

Estava em curso a Revolução do Estado Novo. Revolução cultural, social e económica, baseada na constituição imposta por Salazar em 1933 e nos valores de DEUS, PÁTRIA e FAMÍLIA.
A Revolução do Estado Novo sucedia a um período de anarquia e desorientação generalizadas e pretendia concretizar a doutrina social da Igreja, com a criação do estado corporativo.
Se no aspecto cultural enveredou pelo caminho do dogmatismo característico dos piores tempos da Igreja e cuja pior expressão se concretizou na implementação da censura e controlo desenfreado dos meios de comunicação e estabelecimento de um índex para publicações proibidas, com o saneamento das finanças públicas foi possível verificar melhorias económicas com o lançamento de infra estruturas básicas concretizando os mais basilares anseios da população: a rede de estradas avançava pelo país e o ensino dava os primeiros passos para cobrir o país.
O ensino primário foi implantado até às freguesias, com recurso às chamadas Professoras Regentes, mas os exames da quarta classe tinham de ser feitos na sede do concelho por professores(as) devidamente habilitados. Os resultados finais eram muito limitados: recordo que, precisamente no ano de 1948, as escolas da minha freguesia eram frequentadas por um universo de cerca de 100 crianças de ambos os sexos, mas em salas separadas (2 salas):numa os rapazes noutra as raparigas. Em cada sala uma só professora regente tinha a seu cuidado quarenta ou cinquenta crianças distribuídas pelas quatro classes. A separação das crianças era feita por sexos e não por nível de evolução na aprendizagem ou classe escolar. Nesse final de ano lectivo apenas sete ou oito crianças fizeram exame da 4ª classe com aproveitamento: 3 rapazes e 4 ou 5 raparigas.
A prestação de provas de exame foi uma odisseia: deslocação para a sede do concelho a cerca de quinze quilómetros, sem ninguém a apoiar. O alojamento foi em casas de amigos ou familiares, aqueles que os tinham. Prestação de provas perante um júri pomposo e solene presidido por uma professora gorda e mal encarada de seu nome Pilar, mulher de muito respeito e temor. Passámos todos, menos o Zé Ramalho. O trabalho das regentes era muito cuidado. Nessas décadas de obscurantismo e incerteza, muito deve a sociedade portuguesa à dedicação e profissionalismo dessas heroínas que foram as Professoras Regentes: homenageio aqui a D. Vitória Gaspar, a D. Ofélia e a D: Maria Nobre Louça, as três Mestras que tive desde a 1ª à 4ª classe e que tanto me deram desde conhecimentos até ao carinho com que às vezes nos davam reguadas ou toques oportunos de ponteiro (vara comprida com que, desde a secretária, apontavam pontos importantes do quadro preto, ardósia, na parede).
Quanto ao ensino secundário as coisas complicavam-se ainda mais: a rede de liceus (liceus nacionais, chamados), apenas cobria até à sede de distrito, no meu caso, o mais próximo estava a mais de cem quilómetros.

3 comentários:

Anónimo disse...

Presumindo que as regentes que constam no seu texto o tenham sido na zona do Alentejo, mais própriamente em S. Teotónio, Odemira, deixo, em nome da minha avó, D. Vitória Gaspar, o agradecimento efectuado.

Sem dúvida, pessoa algo avançada para a época em que viveu, de grande rigor, sem tabus de quaisquer espécie e com a qual se podia discutir e aprender sobre uma imensidão de temas.

Um grande obrigado pelo reconhecimento prestado.

Anónimo disse...

Sem dúvida!! concordo plemamente consigo!!!! sem essas heroinas que calcurriavam (neste caso) e relativamente a uma das referenciadas (D.Victória Gaspar)um vasto território do Baixo Alentejo, implorando aos Pais que deixassem os seus filhos ser alfabetizados....sem essas heroinas, muitos de nós nao seriamos pessoas bem formadas com gosto pelo mundo cultural e respeito pelo semelhante.Sem duvida eram pessoas que com os meios que tinham faziam milagres com a sua dedicaçao e amor ao ensino.Era a Sra.D.Victória Gaspar uma mulher adiantada para a sua época e com altos valores relativamente à formaçao de caracter entre outras grandes qualidades, como idineidade, desapego ao dinheiro etc...Bem haja por recordá-las.
Anónimo

NOCA disse...

Aos dois comentadores que antecedem, o meu obrigado pelas palavras amigas.
Nunca será demais realçar as qualidades culturais e humanas dessa pequenina, mas muito grande Mulher que foi a D Vitória Gaspar.
Sem equecer as outra duas boas professoras que tive no meu ensino básico, guardo dela uma recordação indelével que só se apagará com a minha morte.
Guardo com carinho o primeiro prémio escolar que dela recebi: um caderno com desenhos de folha dupla para colorir - uma fortuna!
Obrigado amigos e parabéns pela mãe que tiveram! Eram uma gigante de humanidade!