Nesta entrada de 2010 fica bem um pouco de poesia: Este Amigo de um Amigo meu passou nestes dias chuvosos por Monsanto e inspirou-se naqueles calhaus, (gigantes petrificados por castigo divino, como lhes chama), e produziu um texto que nos dá muito prazer publicar aqui.
Recorda que daquelas bandas eram muitos dos nossos companheiros dos bancos distantes da Escola de Beja: "à medida que ia lendo as placas toponímicas na berma da estrada ou atravessando as povoações beiroas, (Penamacor, Enguias, Meimoa, Benquerença, Quadrazais, Sortelha, Valverde, Fundão...), vultos juvenis iam-me surgindo esfumados nas memórias distantes. E recordei amigos perdidos no voracidade do tempo: o Fragoso das Enguias, o Proença de Videmonte, o Beites da Benquerença; e o Mata que continua a acompanhar-nos nas aventuras da vida: estes entraram comigo em 1954. E muitos outros, anteriores ou posteriores àquela data."
Monsanto - Beira -Baixa, 28 de Dezembro de 2009
E começámos a subida do monte santo.
Uma chuva miudinha tornava escorregadias as pedras da calçada e obrigava-nos a redobrar os cuidados para não cair.
Uma névoa misteriosa envolvia a subida, as casas, as pedras enormes e o castelo que apenas imaginávamos existir lá no alto.
Do baluarte, sonhámos paisagens maravilhosas para além do nevoeiro cerrado e imaginámos a vitela milagrosa, recheada de cereais, a rebolar por aquelas encostas a enganar o inimigo que sitiava o povoado faminto: coisas que a lenda tece, maravilhas que o povo conta...
O romântico de uma igreja, a nobreza de uma pousada, o gótico de uma capela, o galo prateado da torre do relógio que recorda o prémio da "aldeia mais portuguesa de Portugal",vão suavizando o frio do vento que nos regela o rosto, mais o esforço da subida íngreme.
Mas vale a pena...
Sucede-se o casario granítico. Há laivos de brancura na caixilharia das janelas e pinceladas de cal nos portais das casas.
Há casas antigas, abandonadas, esventradas, dormindo o sono eterno, encostadas aos grandes blocos acolhedores do granito protector, esperando ainda uma ressurreição que tarda.
Há restaurantes e tavernas e uma gruta mesmo à beira do caminho. E o nevoeiro espesso não permite que o nosso olhar repouse na planície que imaginamos estender-se a nossos pés.
E continuámos a subir.
Uma muralha de penedos ladeia a última vereda que dá acesso ao castelo. Um ventinho lúgubre assobia, modela, esfrega-se, em carícia, no granito escuro. Um cão, igualmente escuro, em natural mimetismo, espreita friorento na crista de um rochedo redondo.
Que rochedos são estes que fazem barreira às gentes?
E não é que imagino gigantes inimigos atacando a pobreza do povoado e que os deuses do lugar castigaram petrificando-os e aprisionando-os ali para sempre? E, se a todos os inimigos dos pobres fosse dado o mesmo destino?
Haveria mais pedras do que terras para semear...
Desço com cuidado redobrado. Não vá um pé perder o pé e resvalar por ali abaixo e ir parar não sei onde. E olho de novo as casas encostadas à força granítica dos rochedos, adormecidas no tempo, embaladas pelas lendas dos tempos antigos, acolhedoras e renovadas interiormente com gosto e conforto.
Eu sei que aqui repousa, simbolicamente conservada, a força do Homem que construiu uma montanha sagrada, um monte santo. E, como tudo o que é sagrado e santo, também este povoado revestido de granito escuro, envolto em nevoeiro cinzento, embalado pelo vento agreste, pode ser para mim e para muitos, sinal de esperança e confiança na Humanidade!
PS(Post Scriptum): Este Amigo de um Amigo meu é o Antonino Mendonça, como já todos repararam, e escreve muito bem! Obrigado e BOM ANO para ele e para todos!
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