Pousada, 24 de Dezembro de 1973.
É véspera de Natal. Antes de sair para ir almoçar com o resto da família, releio o que nestes dois dias escrevi. Foi muito bom regressar à escola, àqueles dias luminosos da infância, àquela ternura incontida de aprender a vida. Tal como é bom regressar à simplicidade dos natais antigos: o reunir da família, os fritos do costume, a ceia de batatas com bacalhau e um pacotinho de confeitos como prenda. Tudo simples e familiar.
Da mesma maneira deve ter sido simples o primeiro natal. Uma rapariga hebreia dá à luz uma criança do sexo masculino, não se sabe bem onde, se em Nazaré onde Maria vivia, se em Belém conforme tinha predito o profeta Miqueias, ou noutra terra qualquer, apesar da beleza e da quase historicidade das narrativas antigas. O que sabemos é que essa criança se tornou referência importante para os últimos dois mil anos desta humanidade peregrinante e inquieta; se tornou modelo para pintores e escultores; se tornou tema de poetas e de músicos. Por ele, derramaram seu sangue, mártires inocentes; por ele, viveram a humildade, a simplicidade e a pobreza, santos de todos os tempos; a ele consagraram a sua juventude tantos rapazes e tantas raparigas entusiasmados pela beleza de nobres ideais. As suas palavras, os seus milagres, os seus gestos simples de misericórdia foram estudados até à exaustão por filósofos e teólogos, por historiadores e sociólogos. Opiniões contraditórias debateram-se calorosamente desde o princípio. Afirmações e negações, condenações e exaltações, um pouco por toda a parte, repartem-se e discutem-se em seu nome. E, em seu nome, travaram-se guerras e acenderam-se fogueiras; em seu nome levantaram-se catedrais e condenaram-se pessoas ao exílio; em seu nome fizeram-se festas e banquetes, e morreu-se de fome.
Mas, essa criança, nascida uns anos antes da nossa era, no território palestino ocupado pelo Império Romano, permitiu que, à sua volta se tecessem as mais belas narrativas de ternura e louvor; permitiu que o reclinassem numa manjedoura aquecido pelo bafo salutar de animais e saudado alegremente por anjos e pastores; permitiu que o esculpissem nu numas palhinhas geladas, com a cara rosada de menino-bem. Depois, dão-no a beijar perfumado e nu aos devotos enternecidos, enquanto meninos outros, em todas as partes do mundo morrem de fome e de doenças evitáveis; cantam-lhe canções melodiosas, enquanto meninos outros, em todas as partes do mundo, são maltratados, violados e esquecidos nas valetas das estradas; expõem-no à veneração dos fies, enquanto meninos outros se arrastam na lama porca das vielas e se escondem amedrontados em campos minados de ódio e terror. Tristes contradições da nossa história…
Mas, essa criança pobre, filha de pobres, havia de espalhar esperança e paz entre os pobres mais pobres; havia de dar de comer aos famintos e de beber aos sequiosos; havia de louvar os mansos e os humildes, e exaltar os construtores da paz; havia de consolar os que sofrem e os atribulados; havia de dar a sua vida pela salvação de todos...
Vou almoçar…
PS.- Por amável deferência do meu Amigo, aqui fica esta referência ao Natal de 1973, no Diário do Amigo dele.
É véspera de Natal. Antes de sair para ir almoçar com o resto da família, releio o que nestes dois dias escrevi. Foi muito bom regressar à escola, àqueles dias luminosos da infância, àquela ternura incontida de aprender a vida. Tal como é bom regressar à simplicidade dos natais antigos: o reunir da família, os fritos do costume, a ceia de batatas com bacalhau e um pacotinho de confeitos como prenda. Tudo simples e familiar.
Da mesma maneira deve ter sido simples o primeiro natal. Uma rapariga hebreia dá à luz uma criança do sexo masculino, não se sabe bem onde, se em Nazaré onde Maria vivia, se em Belém conforme tinha predito o profeta Miqueias, ou noutra terra qualquer, apesar da beleza e da quase historicidade das narrativas antigas. O que sabemos é que essa criança se tornou referência importante para os últimos dois mil anos desta humanidade peregrinante e inquieta; se tornou modelo para pintores e escultores; se tornou tema de poetas e de músicos. Por ele, derramaram seu sangue, mártires inocentes; por ele, viveram a humildade, a simplicidade e a pobreza, santos de todos os tempos; a ele consagraram a sua juventude tantos rapazes e tantas raparigas entusiasmados pela beleza de nobres ideais. As suas palavras, os seus milagres, os seus gestos simples de misericórdia foram estudados até à exaustão por filósofos e teólogos, por historiadores e sociólogos. Opiniões contraditórias debateram-se calorosamente desde o princípio. Afirmações e negações, condenações e exaltações, um pouco por toda a parte, repartem-se e discutem-se em seu nome. E, em seu nome, travaram-se guerras e acenderam-se fogueiras; em seu nome levantaram-se catedrais e condenaram-se pessoas ao exílio; em seu nome fizeram-se festas e banquetes, e morreu-se de fome.
Mas, essa criança, nascida uns anos antes da nossa era, no território palestino ocupado pelo Império Romano, permitiu que, à sua volta se tecessem as mais belas narrativas de ternura e louvor; permitiu que o reclinassem numa manjedoura aquecido pelo bafo salutar de animais e saudado alegremente por anjos e pastores; permitiu que o esculpissem nu numas palhinhas geladas, com a cara rosada de menino-bem. Depois, dão-no a beijar perfumado e nu aos devotos enternecidos, enquanto meninos outros, em todas as partes do mundo morrem de fome e de doenças evitáveis; cantam-lhe canções melodiosas, enquanto meninos outros, em todas as partes do mundo, são maltratados, violados e esquecidos nas valetas das estradas; expõem-no à veneração dos fies, enquanto meninos outros se arrastam na lama porca das vielas e se escondem amedrontados em campos minados de ódio e terror. Tristes contradições da nossa história…
Mas, essa criança pobre, filha de pobres, havia de espalhar esperança e paz entre os pobres mais pobres; havia de dar de comer aos famintos e de beber aos sequiosos; havia de louvar os mansos e os humildes, e exaltar os construtores da paz; havia de consolar os que sofrem e os atribulados; havia de dar a sua vida pela salvação de todos...
Vou almoçar…
PS.- Por amável deferência do meu Amigo, aqui fica esta referência ao Natal de 1973, no Diário do Amigo dele.
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