quarta-feira, 23 de abril de 2008

1948 (Continuação) – Entrada na Rotina

Após a instalação e arrumo dos pertences, teve imediatamente início uma rotina que constituía a vida disciplinada e austera dum internato escolar confessional, em que os alunos não eram apenas instruendos comuns, mas sim candidatos ao sacerdócio – uma classe de pessoas (homens) preparados para ministrar o magistério da Igreja Católica e exercer o “munus” litúrgico, eles serão os “LITURGOS” de uma Religião monoteísta e milenar que se reclama como única detentora da verdade para conseguir a salvação da humanidade, daí a sua catolicidade ou universalidade.
Para conseguir os objectivos almejados, é evidente que pressupunha um longo período de preparação intelectual, física e cultural, que decorria por doze anos, no mínimo, desde que as provas prestadas anualmente fossem positivas e a apreciações oportunas e periódicas do colégio episcopal, (de nomeação episcopal), fossem favoráveis.
O Seminário de Beja não fugia a estas exigências, que obedeciam a directivas muito claras dos centros de decisão a partir de Roma.
A formação dos alunos era orientada na prossecução de um grande objectivo, a formação integral do aluno, considerada sob dois aspectos: o físico e o intelectual ou espiritual, e este subdividido em cultural, (ciências humanas ou humanísticas), e religioso, (histórico-teológico-místico).
Todos estes aspectos do ensino eram moldados por uma disciplina rígida, onde a gestão dos tempos de silêncio e de descompressão, (recreios e actividades lúdicas), desempenhavam um papel fundamental.
Cada dia era preenchido por actividades diversas, bem enquadradas em horários muito rígidos, desde o acordar ao som da sineta, pelas sete horas da manhã, até ao recolher, pelas vinte e uma horas, por chamamento da mesma sineta.

1 comentário:

Anónimo disse...

Para que se possa avaliar da violenta utilização do tempo que nos era imposta,vejamos um exemplo do horário que, religiosamente, tínhamos que crumprir:
06H30 - Levantar,tomar banho,lavar
os dentes vestir-se e ir
para a formatura
07H00 - Orações,meditação e arrumar
o quarto.
08H30 - Pequeno almoço
08H45 - Estudo
09H30 - Recreio
09H50 - Estudo
10H00 - Aulas
10H55 - Recreio
11H05 - Aulas
12H00 - Almoço,visita à capela e
recreio
13H30 - Estudo
14H30 - Recreio
14H50 - Estudo
15H30 - Aulas
16H25 - Recreio
16H35 - Aulas
17H30 - Estudo
18H30 - Terço e Bênção do
Santíssimo na Capela
19H30 - Jantar e recreio
20H45 - Estudo
21H45 - Orações da Noite e
Meditação
22H30 - Lavagem dos pés,dentes
deitar e silêncio

As deslocações da "Comunidade de Alunos" para todas estas obrigações,eram sempre realizadas em formatura empecável,com os mais
"pequenos" e os "maiores" atrás e
em silêncio absoluto,sob a orientação e comando de um "perfeito" ou "monitor".
Só era permitido falar nos recreios,depois do perfeito de serviço nos dar ordens: "Deo gratias!"
Existiam vários jogos a que todos éramos obrigados a participar,pois o recreio existia,não como um tempo livre,mas como uma oportunidade para nos recompormos físicamente atravez da actividade lúdica. Daí,que quando algum aluno não brincasse,fosse repreendido e até castigado em caso de reincidência.
O principal perfeito era um padre forte,com mais de 100kg, gordo, anafado e rosado, verdadeiro carrasco que todos temiam,porque andava sempre munido de uma palmatória de azinho a que ele chamava "a santa luzia" porque tinha três buraquinhos que ficavam marcados a sangue nas mãos do seminarista.
Quando ele chamava algum aluno e o mandava estender a mão,sempre a esquerda para que não ficasse,(temporáriamente!)inválido,toda a comunidade de alunos ficava aterrada e o padre, satisfeito, furioso,rubicundo e sádico punha-se no bico dos pés para conseguir maior força e o desgraçado,se aguentava a primeira palmtoada,à segunda rendia-se a seus pés banhado em lágrimas ou reagia estoicamente como um mártir.

Por isso a minha entrada no Seminário e o início da vida comunitária eclesiástica, disciplinada,monótona e dura foi para mim um choque psicológico e emocional muito violento.
Habituado,desde a minha infância à Liberdade,à vida tranquila que se vivia no Monte,onde tudo me era familiar e onde me sentia tão àvontade,passei a estar todo o tempo encurralado entre paredes,preso a um rígido horário,
vigiado constantemente por perfeitos exigentes,sempre dispostos a aplicarem o mais severo castigo à mais pequena falta,sem um mínimo de respeito pela individualidade de cada um e pelos mais elementares direitos da pessoa humana.
São recordações duras que ainda hoje conservo bem vivas na minha menória, mas sem ódio ou rancor e que fazem parte da minha vida que passei no Seminário de Beja.