sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Colaboração de um Amigo de um Amigo meu

Na sequência das turbulentas e acesas discussões do almoço de ontem, anexo um conto retirado do "site" Servicios koinonia. Os dois paradigmas de Igreja estão perfeitamente desenhados nesta pequena história brasileira. A Igreja formal, rica de arte e ouro, poderosa e imponente, fechada aos pobres e ao mundo, solenemente cantada em desconhecidas linguagens, sob lustrosas cúpulas ornamentadas a ouro e prata. No outro lado, perdida no nevoeiro da vida e do mundo, está a igreja comunidade fraterna, atenta aos mais pobres, onde os gestos realizam precisamente aquilo que significam: o pão é verdadeiramente pão e, partilhado, é verdadeiramente o Corpo de Cristo; onde o vinho é verdadeiramente vinho e, partilhado, é verdadeiramente vinho para a alegria e salvação de muitos.
Deixei-me vencer, ao ler este conto, não só pela poesia que o envolve, mas sobretudo pela esperança de que, na igreja/comunidade fraterna, o Cristianismo não morrerá nunca. Porque "pobres sempre os tereis convosco".
Não quero alargar-me mais na minha reflexão. Faz bem ler este conto!
Um abraço
A.M.


A Ceia Eucarística em São Pedro
Sávio CORINALDESI


Irmã Olinda tinha chegado fazia poucos dias do Brasil para completar seus estudos em Roma e preparar-se para uma das missões da Congregação. Na tarde da Quinta Feira Santa, a superiora perguntou à Irmã Teresa se poderia acompanhar a jovem brasileira em São Pedro, onde tinham conseguido dois ingressos para a Missa do Lava-pés.
A basílica resplandecia de luzes e a irmãzinha estava deslumbrada com tantas maravilhas. O lugar reservado a elas permitia uma magnífica visão do conjunto. O papa presidia, rodeado de cardeais, arcebispos, bispos e uma multidão de sacerdotes, tudo num oceano de cores e de sons que a deixavam assombrada. Lembrou o carnaval do Rio que a televisão levava fielmente, todos os anos, até o coração da mata amazônica onde tinha nascido. Envergonhou-se logo desse pensamento desrespeitoso e procurou concentrar-se no solene rito que se desenvolvia debaixo de seus olhos. Nos primeiros bancos e nos lugares a eles reservados, os membros do Corpo Diplomático e da nobreza romana ostentavam seus trajes de cerimônia, austeros os dos homens, elegantíssimos os das mulheres. Em suas cabines, discretos, mas em plena atividade, os operadores de TV captavam e enviavam para o mundo as imagens que ela observava com seus próprios olhos.
Procurou acompanhar a homilia do papa, mas não conseguiu por muito tempo: conhecia já bastante a língua italiana, mas a pregação lhe resultava difícil.
Lembrou a última Semana Santa passada em sua comunidade, antes de entrar no noviciado. Tinha apenas vinte anos, mas era a líder incontestada do Cabresto, uma comunidade rural distante uns 30 km da sede do município. Não tinha nascido ali, mas ali tinha crescido desde menina. Tinha freqüentado a pobre escola do lugar, com uma única professora que ensinava o pouco que sabia a todos os garotos e garotas dos 6 aos 12 anos. Tinha-se distinguido tanto que, quando a velha professora se mudou para a cidade, com a família, os pais do Cabresto tinham pedido ao prefeito que colocasse ela no lugar. Seu nome de batismo era Olinda, mas todos a tinham sempre chamado Lindinha e também quando se tornou professora, pais e crianças continuaram tratando-a de Lindinha.
Nesse tempo o vigário veio celebrar a Missa no Cabresto. O fazia todos os meses, quando podia. Quis saber se alguém poderia cuidar do catecismo. Todos concordaram que ninguém poderia fazê-lo melhor que ela. Muito jovem, franzina, com um sorriso tímido e a voz doce, era respeitada naturalmente por todos. Participava na paróquia dos cursos de catequese e de formação das lideranças, gostava de ler e procurava manter-se informada o tanto que o isolamento da floresta lhe permitia. O único que não a suportava era o Dr. Vitalino, dono de uma grande fazenda no Cabresto.
O filho da viúva Raquel trouxe uma bandeja com os doces preparados pela mãe, que, porém, não viria porque sua muleta tinha quebrado. Mas Lindinha não se conformou. Chamou um dos jovens:
- Tavico, junta três ou quatro colegas e tragam aqui a senhora Raquel que não pode caminhar.
Pouco tempo depois o grupo fazia a sua solene entrada na capela: quatro jovens seguravam uma robusta vara na qual estava amarrada a rede que trazia a senhora Raquel, radiante.
Agora estavam todos. Isto é, quase todos. O Dr. Vitalino e sua família tinham viajado no sábado para ir passar a Semana Santa em Salinas, a praia da gente fina da capital.
A celebração saiu bonita mesmo. A Lindinha (quero dizer, Irmã Olinda) sente a saudade apertar sua garganta lembrando aquela noite.
Nonato tinha sido particularmente bem sucedido comentando o Evangelho da instituição da Eucaristia, recordando a luta de dois anos antes e tinha-se emocionado relembrando gestos de solidariedade que, a partir de então, transformara o Cabresto numa verdadeira comunidade.
No lava-pés as crianças tinham lavado os pés dos pais, que receberam a homenagem com a maior seriedade. Durante o ofertório foi feita a coleta, cuja arrecadação seria destinada ao Sr. Feitosa, que estava em Belém, ao lado da mulher recém operada. Terminado o culto, os objetos litúrgicos e as toalhas foram guardados no armário e o altar voltou a ser a mesa sobre a qual as mães foram colocando – não sem uma pontinha de orgulho – sua respectiva “janta”.
- “Comeremos todos juntos o que cada uma tiver trazido” era o lema de suas refeições comunitárias.
A novidade daquela noite foi o conteúdo da bandeja da senhora Anália, matriarca da família Neves, recém chegada no Cabresto, de Minas Gerais. Poucos dos presentes conheciam o pão de queijo mineiro, mas a novidade teve sucesso total.
Aí o velho Neves contou como a Semana Santa é celebrada na sua terra. Mais tarde as gêmeas da família Sívori, descendentes de italianos e procedentes do Rio Grande do Sul, cantaram uma canção que os jovens de lá usam enquanto passam, em grupos, de casa em casa para recolher ovos que, devidamente pintados e cozidos, serão comidos após a celebração da noite de Sábado Santo.
A única nota triste foi provocada por ela, Lindinha.
- Como vocês sabem, esta é a última Semana Santa que passo com vocês. No próximo mês deixarei o Cabresto para entrar na casa de formação das Missionárias de Maria.
- Porque vás embora? Es tão preciosa aqui! Ou nós não somos filhos de Deus? - São, sim, senhor Sívori. Veja, acabamos de celebrar a Última Ceia. Nos dissemos que não podemos pensar só em nós. Eu gostaria que também outras pessoas pudessem conhecer as coisas bonitas que o Senhor fez e faz para seus filhos e filhas. Vocês já o sabem.
- E a senhora, Dona Dora, vai deixar sua filha ir embora?
- Senhor Sívori, suas crianças são ainda pequenas. Mas logo vão crescer e o senhor entenderá que os filhos nós os fazemos, com a graça de Deus, mas não são nossos...
Irmã Olinda sente uma forte saudade daqueles momentos tão intensos. Mas a Irmã Teresa a sacode. Chegou o momento da comunhão.
Enquanto avança lentamente na fila, sente-se culpada pela longa distração. Quando chega a sua vez, estende a mão para receber a hóstia, mas o padre, com gesto mecânico, enfia a partícula em sua boca.
De volta ao seu lugar, a emoção das lembranças se transforma num choro suave e melancólico, que procura esconder cobrindo o rosto com as mãos.
Chegam em casa já tarde. As Irmãs que participaram da Missa na paróquia já estão dormindo. Também a Irmã Olinda se retira no seu quarto. Antes de adormecer, ouve a superiora que pergunta à Ir. Teresa:
- E então, nossa brasileirinha gostou da cerimônia?
- Acho que sim. Quando saímos de São Pedro tinha os olhos vermelhos...
- Pode apostar! Lá, no meio do mato uma cerimônia come esta, ela não ia poder nem sonhar.
Sávio Corinaldesi
Brasil

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