quarta-feira, 14 de abril de 2010

Diário de um Amigo de um Amigo meu

RECORDAR


(Diário de um amigo)

Vila Velha, 13 de Abril de 2010

Creio que hoje, se ainda estivesse connosco, completaria sessenta e nove anos de idade o nosso companheiro Manuel dos Santos Catarino.

Recordo-o bem. Andava ele já no terceiro ano, quando entrei para o seminário. Era alto e forte. Impunha-se pelo seu comportamento e pelo seu trabalho. Era respeitado por todos. Juntos, passávamos muitos dias das férias do verão em Almodôvar colaborando com o Cónego Nazário, padrinho de crisma de ambos. Ajudávamos nas festas das aldeias, colaborávamos no cartório (a ordem alfabética dos livros de baptizados e casamentos ainda devem ter a nossa letra), fazíamos os registos de baptizados e casamentos, viajámos por aqueles montes e vales até S. Barnabé onde o cheiro do medronho nos aformoseava a caminhada. Dias bons aqueles…


Recordo-o depois nos caminhos de Espanha. Lá partia ele para Vitória e eu para Comillas. Tantas viagens fizemos juntos. Conversando, discutindo, amigos. E, na noite, o comboio atravessava a braveza de Castela, soprando, arrastando-se numa infinidade de contratempos e de esperas. Os frios da viagem pelo Natal…

Recordo umas férias missionárias em Ermidas-Sado. O entusiasmo e a alegria da experiência concreta no mundo das pessoas. A verdade com que seminaristas e não seminaristas, rapazes e raparigas, unidos num mesmo ideal, eram capazes de viver e conviver saudavelmente, apesar do calor sufocante do verão alentejano. Amizades que se consolidavam. Fraternidades que se repartiam. E a saudade experimentada quando os primeiros partiram no comboio da tarde…

Recordo o Sobral da Adiça. Tantas histórias por contar. Tanta catequese por fazer. Tanto entusiasmo. E… tanta solidão! Contigo, Manel, passei os meus primeiros tempos de presbítero, ajudei-te nas festas de verão, acho que fiz o sermão e aprendi contigo a alegria de ser cristão.

Recordo os “Cursillos de Cristiandade”. A força, com que transmitias as tuas ideias e a tua fé, era contagiante. Eu acreditava, tu acreditavas, eles todos acreditavam.

Recordo a festa de Vidigueira. Quinta-feira d’Ascensão. O prior pediu-me para escolher um pregador para a festa. Não me lembrei de mais ninguém senão do Catarino. E ele veio. Fez-se entender. Proclamou a palavra com clareza e com ternura. Fez amigos.


(O Catarino na festa de Vidigueira com o velho prior e o coadjutor da paróquia - 1967.)

Recordo um outro dia. O Urbano, colega e amigo de ambos, diz-me com toda a crueza: “- O Catarino vai deixar. Vai-se casar.” Fiquei estupidamente atordoado e não tive outra maneira de exprimir o que sentia senão desabafar: “- Porra! Quando acabará esta maldita lei que nos faz infelizes e incompreendidos!” E, até hoje, estupidamente, por orgulho, tacanhez ou por outro motivo qualquer, mantém-se a irracionalidade e a hipocrisia de tal lei, com todos os dissabores, amargos de boca, crimes e mentiras espalhados na litosfera, blogsfera, atmosfera e por todas as outras esferas possíveis e imagináveis.

Finalmente recordo a noite. Era véspera do seu casamento. Estivemos juntos numa esplanada do Rossio. Creio que bebemos um café ou um sumo. Não sei. Só sei que foi a última vez que vi o Manuel dos Santos Catarino.

3 comentários:

NOCA disse...

Obrigado Amigo, por esta magnífica crónica do teu diário.
Não podia ser mais oportuna! Não só pela efeméride dolorosa da perda do nosso Amigo comum, mas também e sobretudo, pelos problemas que se apresentam no quotidiano desta super-estrutura que teima em preservar os seus princípios mais anacrónicos e em não entender os sinais dos tempos.
O Cristo Histórico não quereria, de certo, esta sociedade nem assumiria as responsabilidades que Lhe atribuem.

Marília Bacanhim disse...

Vamos ver se à terceira consigo agradecer esta homenagem linda ao meu Pai... Muito obrigada! tantas saudades! sim, teria feito sessenta e nove anos ontem, 13 de Abril. ontem sonhei que passeava numa qualquer estrada à beira-mar de mão dada com ele. Vivam os sonhos! :) Marília Catarino

Anónimo disse...

Andava eu no ciclo preparatório, quando durante 2 anos tive como professor de Religião Mural o padre Manuel Dos Santos Catarino.Uma boa pessoa e muito paciente para com os alunos...
Nunca pensei que o Sr.Padre viria a casar, e ao ler esta noticia achei engraçado só é pena que ele n esteja presente.
Ps:Ele foi meu professora na escola industrial e comercial de Moura :)

Mariana Pascoalinho.